Bob Dylan é vaiado em Newport em 1965...
Sobre novos começos, desafios e o estado atual dos jornagames
Dirigido e roteirizado por James Mangold (com ajuda de Jay Cocks), Um Completo Desconhecido é uma cinebiografia de Bob Dylan que trata de um ponto definidor da carreira do cantor e compositor. Durante o festival de música de Newport, em 1965, ele sobe ao palco e é vaiado pela plateia, que esperava um show acústico — mas recebeu uma apresentação carregada pelas guitarras elétricas.
Embora a história real não seja bem essa (ele foi vaiado pelo set curto) — e o filme seja uma bela playlist com um rascunho de roteiro conectando episódios separados (dá para assistir na Disney+) —, a mensagem central permanece. No momento em que o show acontece, Dylan já é uma profissional bem estabelecido e amado, que alterna grandes sucessos com momentos nos quais é escroto com suas companheiras.
E é justamente esse sucesso que faz com que ele decida tomar essa mudança de rumo radical. Porque ele já é um “deus” para os fãs de folk, que criaram expectativas claras sobre o que ele é capaz de fazer e entregar dentro do gênero — fazer sempre o mesmo, seguro, é legal até certo ponto. Mas tem horas que só tocar a mesma música o tempo todo enche o saco.
Não que me considere um Bob Dylan (embora eu tenha tido minha fase de magrelo escroto, sinto dizer), mas é fácil compreender o sentimento de revolta e cansaço. Depois de tanto tempo fazendo a mesma coisa, todo santo dia, atendendo as expectativas, fica só chato. Por melhor que você seja em algo, vem o desejo de mudança, de tentar algo diferente. E por isso a criação desta newsletter.
Poxa, mais uma newsletter?
Pois é meus amigos, a grande maldição de quem trabalhar escrevendo é justamente essa: quando a gente não está escrevendo, está pensando em como escrever melhor e de forma diferente (ou acho que é assim). A ideia é fazer algo diferente da rotina, que se desdobra entre os games, a cultura pop e uma pitada de hardware.
Enquanto ainda pretendo trazer comentários sobre assuntos recentes, confesso que estou cansado do óbvio. Então sim, provavelmente vou comentar sobre algum novo adiamento de GTA VI, ou sobre algum novo jogo do momento.
Ao mesmo tempo, não aguento mais conversas sobre números de vendas que só interessam a um departamento de marketing ou notícias sobre aumentos de preços que não consideram contextos de custo de vida e de política internacional/ordem econômica. E também estou cansado do papo Digital Foundry sobre pixels e resolução nativa que só ajudam em brigas na internet.
Não tenho pretensões de ser um grande conhecedor sobre tudo isso — mas me considero um jornalista bom o suficiente e com a bagagem adequada para poder “opinar sobre muita coisa, sem dominar nenhuma”, como é praxe da profissão. Mas calma, não vai ser nível de coluna de jornalão: sem defesa de vendas de órgão, tampouco pesquisas do Instituto Do Ku por aqui.
Voltando para a comparação com o Dylan: depois de tanto tempo nesse mercado, escrevendo notícias o tempo todo, quero fazer algo diferente. Mais opinativo, mais analítico, mais... mais falho até, diria, mais errado. Mais experimental. E um tanto egoísta, confesso: claro que desejo que muita gente leia e se interesse, mas de vez em quando é bom produzir algo só para a gente.
Porque eu sei como fazer uma notícia, sei analisar o que é importante, estruturar um texto, ajustar o SEO. Mas se eu pudesse nunca mais escrever uma notícia na minha vida (e ainda assim pagar as contas), abraçaria a oportunidade de cara. Ok, talvez não abandonaria totalmente, mas deixaria de lado tempo suficiente para criar algumas saudades saudáveis. Depois de toda essa introdução, vamos ao tema da vez.
Giant Bomb, Polygon, NerdBunker e “lembra que existiu jornalismo gamer?”
Depois de vários parágrafos e altas digressões, finalmente nosso primeiro tema. O mês de maio não foi nada bom para o dito “jornalismo gamer”, tanto no plano nacional quanto internacional. Logo no dia 1º de maio — o dos trabalhadores —, o Giant Bomb chegou ao fim (e foi revivido logo depois) e o Polygon deixou de ser aquilo que conhecemos.
Após algumas semanas estranhas e marcadas pelo fim das transmissões ao vivo, o Giant Bomb morreu durante alguns dias. A boa notícia é que a Fandom ligava tão pouco para a marca que decidiu abrir mão dela e permitir que ela fosse comprada pelo bom time que estava conduzindo o site até então.
Por outro lado, tivemos a notícia de que a Polygon foi vendida pela Vox Media para a Valnet, a rede de sites criada pelo cofundador do Brazzers, que abandonou a pornografia — mas não o desejo de ver outros se fodendo. Esse é um caso ainda mais bizarro: para todos que trabalhavam no site, a situação era ótima, os números permaneciam em alta e a estratégia editorial estava dando certo.
No entanto, nem mesmo isso impediu que, do dia para a noite, a chefia decidisse que era hora de fazer caixa, mandar geral para a rua e “dedicar recursos para nosso foco principal”. Ou qualquer blábláblá executivo que queira dizer “a gente quer grana, e nosso objetivo é só fazer mais dela, independentemente do meio”.
Infelizmente, no dia 27 de maio veio uma notícia que bateu mais perto de casa — e afetou gente que considero como amigo pessoal. Adquirido em 2021 pelo Magazine Luiza, o NerdBunker, braço mais editorial do Jovem Nerd, não existe mais na prática. À IGN, a dona do que restou do negócio disse que ele vai continuar — mas tocado por um único redator provavelmente mal pago, cobrado excessivamente e que vai ter que depender do ChatGPT para produzir em volume.
A crise que vai além do “não dá lucro ou não é bom”
Enquanto os motivos para o fim dos três sites são mascarados com um “executivês” sobre novas oportunidades, tendências de mercado, etc, é fácil imaginar o que pode ter acontecido. Em um mercado no qual todos competem por atenção o tempo todo — ou, como gosto de dizer, a roleta do Google —, se torna cada vez mais complicado manter operações dignas de serem consideradas boas por grandes empresas.
De certa forma, o próprio Google — que se vende como um parceiro — é o grande vilão. Depois de anos mudando seu algoritmo para maximimizar seu próprio apelo publicitário e destruir a existência de sites inteiros, a empresa decidiu que não quer mais repartir nada do bolo. Ela ainda quer informações e que tenha gente produzindo, veja bem — mas não deseja que as pessoas entrem em um site para obtê-las.
Ela não está sozinha nessa brincadeira: a Microsoft também já prepara uma mudança na API do Bing, com a intenção de direcionar pesquisas para seu sistema de inteligência artificial. A ideia é que as pessoas não vão mais procurar por um assunto, clicar em uma página (que tira atenção do buscador) e encontrar nela a informação de que precisam.
No lugar disso, haverá um sistema automatizado que diz tudo o que você precisa logo de cara, sem essa coisa chata de visitar produtor de conteúdo — cuja receita está ligada ao número de visitas, que ainda são a base para a venda de publicidade. Dá para entender onde isso acaba chegando, não?
O Google, que durante muito tempo foi um amigo legal que permitia que as pessoas cheguem a um site, agora está fazendo o caminho contrário. E o pior: ele faz isso em um momento no qual tem quase o monopólio das buscas online e dita as regras do jogo. Ou seja, não há exatamente uma opção de “vamos cair fora então”, porque sem o buscador, seu veículo não existe para a maioria das pessoas — e as outras opções que existem estão seguindo o mesmo caminho.
Nos últimos meses (como parte de um processo que começou há anos), TODOS os sites, com raríssimas exceções, tiveram quedas absurdas em seus acessos. Todos. Em um momento no qual isso dita verbas, tamanhos de equipe e previsões futuras, isso significa menos dinheiro entrando, mais gente produzindo por menos e informações com qualidade em queda.
Não à toa, você deve notar que todo site é praticamente igual hoje em dia, especialmente os especializados em notícias. É tudo fruto de uma corrida desenfreada para chamar a atenção, se posicionar bem nas buscas e ser o primeiro a agradar não ao público — mas ao algoritmo de um parceiro que quer jogar os outros para fora do playground.
Nesse cenário, é realmente complicado sobreviver, especialmente dentro das estruturas de uma grande empresa. Especialmente no caso da Giant Bomb e do NerdBunker, é fácil imaginar um executivo vendo números em queda, os gastos mensais e pensando “corta isso daí, que não vai dar boa não”. Qualidade, gerenciamento de comunidade, originalidade? Isso é besteira que não traz dinheiro, e errado tá o produtor e o público de querer algo que vá além do que está na manchete.
Não raras vezes, quem é dono desses sites está interessado só em manter a marca. Eles não querem mais que aqueles que dão as caras e perdem horas procurando pautas legais ou entendendo um assunto complexo tenham espaço. O importante é “o nome”, e ele vai sobreviver. E eles podem ter dinheiro, mas são burros demais para entender que não poderiam estar mais errados — mais cedo ou mais tarde, o esqueleto que sobrou também rui, e não tem mais como ser salvo.
A produção independente é um caminho, mas não a solução completa
Observando alguns comentários em redes sociais, é normal ver muita gente afirmando que as equipes demitidas são boas, e deveriam se juntar em um novo negócio. Enquanto concordo com a parte de serem boas, o restante não é exatamente fácil. Primeiro porque produzir conteúdo é demorado, exaustivo e leva um longo tempo — e fazer isso junto a uma parte comercial para a qual não somos treinados, é mais complicado ainda.
Além disso, embora o financiamento coletivo seja tecnicamente viável, ele ainda é para poucos, porque depende de escala. Especialmente para quem está começando e não tem um rosto público, é muito complicado convencer as pessoas a pagar por seu trabalho. E mesmo quem tem muito tempo de mercado não tem tanta facilidade — estou há 16 anos na área, mas muitos não “me conhecem” porque não fui a cara de um produto ou apareci em tantos vídeos (mas já fiz review para o Nautilus, sabia?).
E mesmo quando o financiamento coletivo é bem-sucedido, ele não substitui o que uma redação tradicional oferece. Para começar, os ganhos são mais voláteis — até mesmo o pessoal que comprou o Giant Bomb sabe que vai ter dificuldade de sustentar o projeto sem a grande estrutura publicitária montada pela Fandom, por exemplo.
E mesmo quando as contas fecham, há outros problemas que nem sempre ficam evidentes. Por exemplo: quando fiz parte de uma grande redação, podia contar com a equipe legal da empresa. Ela estava ali para lidar tanto com acusações de plágio e outros problemas corriqueiros, quanto com questões de assédio e outros problemas relacionados a ser uma figura pública.
Com um financiamento coletivo, a não ser que ele seja extremamente bem-sucedido do mundo, essa passa a não ser uma opção. Isso limita o tipo de conteúdo que pode ser feito — mexer com gente poderosa pode custar caro. A situação também faz com que, mesmo de forma independente, ainda dependamos muito do que é menos arriscado, mas traz visibilidade garantida e não mexe com gente poderosa.
Não à toa, muita gente passou do formato de minidocumentário e videoensaio para lives e notícias mais tradicionais para conseguir sobreviver. Dito isso, apoiem seus criadores de conteúdo favoritos, sempre que possível. Porque é gente que dá o sangue e o suor para fazer coisas legais e originais, que têm cada vez menos espaço no mainstream (cito como exceção a atual encarnação do Voxel).
E vamos de dica musical
Citando de forma adaptada os amigos do Podcast Viracascas, devo admitir que esta primeira edição não foi leve e termina com muitas incertezas, mas nenhuma resposta concreta. No entanto, para dar uma dose de leva, quero sempre trazer pelo menos uma dica musical, com um pouco de contexto.
Dessa vez, os escolhidos são os caras do King’s X: aquele tipo de banda que nunca deu muito dinheiro, mas que está aí há décadas sendo referência para muitos de seus músicos favoritos. Bastante técnica e com alguns toques progressivos, eles fazem um rock com influências de funk e letras com temas que vão de religião até o próprio prazer de tocar.
A faixa escolhida da vez é Alright, que fala sobre novos recomeços e as esperanças de que dias melhores estão pela frente — o que parece ser uma mensagem boa para se apegar no momento.